SITUAÇÕES DISCRIMINATÓRIAS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO – III


Para se ter uma noção mais clara do tema colocado em exposição, vamos a alguns casos concretos, cujos julgamentos pelo Poder Judiciário apontam os atos discriminatórios, repudiando-os, estabelecendo ao ofendido o direito à reparação.

Responsabilidade pré-contratual – Promessa de contratar – Candidato escolhido em processo seletivo – Negociações concluídas com fixação de data para a admissão no emprego, providências para exame médico e recolhimento de documentação. Confirmação de contrato preliminar e não meros entendimentos preparativos. Rompimento da obrigação de firmar contrato definitivo. Conduta culposa da empresa promovente que a sujeita ao pagamento de indenização pelos prejuízos causados com os preparativos de mudança e cessação de atividades lucrativas. Arbitramento das verbas indenizatórias em liquidação. (TJRJ, 3ª Câmara, ap. 3.395/91, em 26/05/1992)

Responsabilidade civil – Dano moral e material – Autor admitido a exame de sangue pré-admissional para obtenção de vaga em emprego – Empresa que, á revelia do autor, realizou teste HIV, resultando falso positivo – Evento que causou sofrimentos financeiros e morais ao autor – Responsabilidade da empresa, eis que deu causa aos danos. (TJSP, 9ª Câmara, em 27/04/2004)

Dano Moral – Ato de improbidade – Desvio de numerário – Indiciamento em inquérito policial – Arquivamento do pedido do Ministério Público por insuficiência de indícios – Ausência do dever de cautela – Leviana acusação do empregador – CF/88, art. 5º, V e X. 

RESCISÃO INDIRETA. Justa causa. Ato de improbidade. Desvio de numerário. Arquivamento do inquérito policial pelo Ministério Público por falta de indícios. Justa causa afastada com o reconhecimento da rescisão indireta. CLT, art. 482, a.
Ementa oficial: Dano moral. Dever de cautela. Comprova-se o prejuízo moral, condição sine qua non para a reparação, se o indiciamento em inquérito policial, que pode macular de forma indelével a vida do empregado, resultou de leviana acusação do empregador, arquivada a pedido do Parquet estadual por insuficiência de indícios para a denúncia. Ao agir de maneira precipitada, a reclamada incorre na quebra do dever objetivo de cautela, fato que configura culpa própria. (TRT – 2ª Região – 8ª T.; RO nº 416.805/00; Rela. Juíza Wilma Nogueira de Araújo Vaz da Silva; j. 15/10/2001; v.u.) JBT 55/94

Dano Moral – Revistas íntimas na saída do trabalho – Constrangimento e situação vexatória caracterizados – CF/88, art. 5º, V e X.
DANO MORAL. Fixação da indenização. Critérios. Dupla finalidade. Reparar a injustiça e advertência para o ofensor e evitar o enriquecimento de um e o empobrecimento do outro. CF, art. 5º, X.
DANO MORAL. Fixação da indenização. Maior remuneração pelo número de anos trabalhados. CLT, art. 478.
Ementa oficial: Dano moral. CF, art. 5º, X. Dano moral. CF, art. 5º, inciso X. Revista íntima à saída do serviço. Atende ao bom senso e à equidade a fixação de um salário para cada ano de trabalho, quando a mulher, à saída do serviço, for submetida a revista íntima, com suspeita infundada de furto de mercadorias, o que equivale à acusação de improbidade (art. 482, letra a, da CLT). Se o constrangimento for continuado, mês a mês, também é razoável a fixação de um salário para cada ato do empregador, a critério do juiz. O valor deve ser justo e razoável. Justo, para reparar a injustiça e para que todos saibam da ofensa e da reparação; e razoável, para que a indenização não sirva de pretexto para o enriquecimento de um e empobrecimento de outro. Não basta que se condene o ofensor a pagar uma quantia simbólica, como que lhe dando uma advertência para que o ato não se repita. É necessário que o valor sirva de limite ao agressor. (TRT – 2ª Região – 9ª T.; RO nº 561.970/2000; Rel. Juiz Luiz Edgar Ferraz de Oliveira; j. 17/10/2001; v.u.)

Dano Moral – Participação em movimento de empregados com objetivo de receber salários atrasados – Ofensa à dignidade do trabalhador – Discriminação do obreiro frente aos colegas – Afastamento por 90 dias – Proibição de entrada da empresa – Recebimento de salários na portaria – Dano moral fixado em R$ 2.500,00 – CF/88, art. 5º, V e X.
Ementa oficial: Dano moral. Ofensa à dignidade do trabalhador. O exercício do invocado poder protestativo do empregador não é algo que se permite assim perdido no infinito. Ele encontra limite no complexo valorativo da personalidade do empregado e no respeito à sua honra e dignidade de trabalhador, invioláveis, segundo o que lhe asseguram a Constituição da República e o estado democrático de direito em que vivemos. Assim é que atenta contra a dignidade do trabalhador o patrão que o discrimina perante os seus camaradas, afastando-o por noventa dias do exercício das suas funções laborativas e proibindo o seu acesso à empresa até mesmo para o recebimento dos salários, em decorrência da reivindicação deste (a propósito legítima), pela devida contra-prestação salarial a que fazia jus. A violação à honra e à dignidade do trabalhador assume maior relevo no âmbito do contrato laboral, porquanto nesse ambiente é que o empregado, que depende do trabalho para sobreviver, forma a sua integridade e valor de trabalhador respeitado e cioso dos seus deveres funcionais. (TRT – 3ª Região – 2ª T.; RO nº 15821/2000-Conselheiro Lafayete; Rela. Juíza Maristela Íris da Silva Malheiros; j. 24/4/2001; maioria de votos) JBT 55/123

Dano Moral – Ato ofensivo – À Honra – Alcunha “Loura-Burra” – Configuração – CF/88, art. 5º, V e X.
RESCISÃO INDIRETA. Tratamento desrespeitoso por superior hierárquico. Alcunha de “loura-burra”. Justa causa caracterizada. CLT, art. 483, e.
Ementa Oficial: Dano moral. Ato ofensivo à honra. Alcunha “loura-burra”. Configuração.

Do ponto de vista objetivo, a inexistência, em tese, de ofensa à reputação da empregada não afasta, por si só, a existência do dano, pois tal lesão é de ordem moral, íntima e psicológica, não se confundindo com o dano à imagem, que é de natureza objetiva. Do ponto de vista da honra subjetiva, a alcunha “loura-burra” ultraja iniludivelmente a dignidade da empregada. Tal alcunha, ainda que dita a pretexto de brincadeira, é desrespeitosa e efetivamente tange a intimidade moral da trabalhadora. Não se pode mais compactuar com atitudes que venham a reproduzir preconceitos. O aprimoramento da intangibilidade da sensibilidade moral do cidadão constitui produto alvissareiro do desenvolvimento gradativo dos direitos humanos. (TRT – 3ª Região – 3ª T.; RO nº 9.371/2001; Rel. Juiz José Eduardo de Resende Chaves Júnior; j. 22/8/2001)

Dano Moral – Divulgação de notícia difamatória de empregado – Indenização devida.
Ementa oficial: Dano moral. Divulgação de notícia difamatória de empregado. Indenização devida. Restou comprovado que o autor foi dispensado sem justa causa. Suas testemunhas provaram que ele não conseguiu novo emprego e que sua reputação ficou manchada, indelevelmente. A notícia foi propagada pela imprensa local. Tanto é verdade, que todas as suas testemunhas souberam do fato e indicaram a forma pela qual dele se cientificaram, por meio de jornais e televisão, noticiado por um dirigente da empresa. Os danos são visíveis, porque o empregado não conseguiu novo emprego, tendo que trabalhar como autônomo, forma mais arriscada e sem as proteções assistenciais e previdenciárias, que passaram a ser por ele assumidas. Assim, claro ficou o prejuízo havido pelo autor. (TRT – 3ª Região – 1ª T.; RO nº 11.668/2000-Uberaba; Rel. Juiz Bolívar Viégas Peixoto; j. 29/1/2001; maioria de votos) JBT 55/102

Dano Moral – Empresa que presta informações negativas sobre ex-empregado, em retaliação ao ajuizamento de reclamação trabalhista – Indenização devida – Fixação em R$ 3.344,00 – Quantum correspondente a oito meses do salário do reclamante.
Ementa oficial: Dano moral. Empresa que presta informações negativas sobre ex-empregado, em retaliação ao ajuizamento de reclamação trabalhista. Indenização devida. É induvidosa a lesão moral sofrida por empregado que tem seu contrato de trabalho rescindido três dias após a admissão, em razão de represália da ex-empregadora que, tomando conhecimento do ajuizamento de demanda trabalhista contra ela, faz contato com o novo empregador, prestando-lhe informações negativas sobre o comportamento do obreiro, totalmente desvirtuadas da realidade. (TRT – 3ª Região – 5ª T.; RO nº 15263/2000-Uberaba; Rela. Juíza Rosemary de Oliveira Pires; j. 24/4/2001; v.u.) JBT 55/121

O que se depreende dos casos citados, além da infeliz conclusão de que ainda existem, é que situações discriminatórias ocorrem, quer no momento anterior à contratação, quer no convívio e até mesmo ao final do vínculo empregatício.

E isso porque houve, em algum desses momentos, o desrespeito à personalidade do empregado ou do candidato, atingindo-o em sua honra, em sua moral, por ofensas aos seus direitos e garantias fundamentais, sejam eles individuais ou sociais.

E, por vezes, não se trata de conduta dolosa do empregador, seus prepostos ou dos encarregados do processo seletivo, ou seja, não se exige a real intenção de ofender ou humilhar, em discriminação à pessoa entrevistada ou empregada.

Basta a ação ou omissão culposa, em decorrência de desídia (negligência), imprudência ou imperícia.

Isso mesmo, no momento de contratar ou até mesmo de conviver com o empregado, muito se esquece de respeitar os direitos e garantias fundamentais.

Pode-se acreditar que tais situações ocorram sem vontade de causar algum transtorno ou constrangimento, mas, infelizmente, elas acabam surtindo seus efeitos negativos, daí a existência de ações reparatórias.

É claro que, na ânsia de se buscar um profissional para determinada vaga, já se tem em conta (dono da vaga e agência) o perfil adequado, o que leva o convite (anúncio, propaganda etc.) direcionado àquele, esquecendo-se dos direitos fundamentais individuais e sociais, pois, certamente, atingirá questões como sexo, idade, cor, nível social, o que afastará, injustamente, a concorrência de tantos outros candidatos tecnicamente capacitados.

O que se deve levar em conta é justamente este aspecto: a capacidade técnica do candidato, do entrevistado ou do profissional já empregado.

As empresas têm todo o direito de investigar informações ligadas ao critério de trabalho. Isto quer dizer: a capacidade técnica do candidato para exercer a função inerente à vaga aberta ou ao serviço que será executado.

Não pode haver questões ligadas à vida privada do trabalhador, pois tais aspectos estão diretamente relacionados à dignidade da pessoa e se afastam da valorização do trabalho, que acaba ficando em segundo ou terceiro plano.

Por tudo isso, é de boa ação que as empresas que cuidam de seleção e recrutamento de pessoal abstenham-se da prática discriminatória, evitando limitar e restringir candidaturas às vagas por critérios de sexo, idade, raça, cor, condição social e outras.

E, no momento das entrevistas, abster-se de lançar questões dirigidas às relações privadas ou às peculiaridades de cada candidato, limitando-se aos questionamentos básicos acerca da formação técnica e conduta profissional em empregos anteriores a justificar a experiência exigida.

Sabe-se que as empresas têm meios adequados para se levantar todas as informações necessárias e, havendo a “necessidade” daquelas não relacionadas às questões profissionais, que as obtenham sem conhecimento do entrevistado ou do empregado, mantendo sigilo acerca das mesmas.

Pois se sabe também que, no caso de um candidato demonstrar que foi preterido somente por questões relacionadas a sua pessoa, certamente se estará criando uma oportunidade para ajuizamento de demanda reparatória, o que trará constrangimentos e dissabores não só ao empregador (dono da vaga), mas, do mesmo modo, à agência de recrutamento e seus prepostos.

O mesmo se diga em relação a quem, sem a devida cautela, divulga informações obtidas do candidato ou do empregado.

Afinal, as empresas que pretendem preencher uma vaga em seus quadros de funcionários, também buscam no mercado as agências de recrutamento e seleção que tenham atuação idônea e não pratiquem ações que ensejam apontamentos judiciais, cuja obtenção de documento comprobatório de tais apontamentos (certidão de distribuidor) é pública.

Vale citar o entendimento trazido no julgamento de uma ação trabalhista com tal tema, de lavra do ilustre Juiz do Trabalho da 6ª Turma do TRT da 2ª Região – São Paulo, Valdir Florindo:

“É salutar que, na vida em sociedade, e na relação de emprego a questão não é diferente, estamos sujeitos a sofrer ou causar danos, sejam eles de ordem moral ou material, e nem por isso estamos imunes à devida reparação, hoje elevada à estatura constitucional. Por seu turno, o trabalho e o lucro são preocupações de todos. Contudo, deve haver a prioridade da pessoa humana sobre o capital, sob pena de se desestimular a promoção humana de todos os que trabalharam e colaboraram para a eficiência do sucesso empresarial. Ora, a dignidade humana é um bem juridicamente tutelado, que deve ser preservado e que deve prevalecer em detrimento dos interesses de maus empregadores. O que é preciso o empregador conciliar é seu legítimo interesse em defesa do patrimônio, ao lado do indispensável respeito à dignidade do trabalhador. Não se discute que o empregado, ao ser submetido ao poder diretivo do empregador, sofre algumas limitações em seu direito à intimidade. O que é inadmissível, contudo, é que a ação do empregador se amplie de maneira a ferir a dignidade da pessoa humana.”

Assim, encerro o que foi proposto. Espero que os textos tenham sido úteis para os que buscam conhecer mais sobre o tema da DISCRIMINAÇÃO. E se você não teve oportunidade de acompanhar os temas anteriores, pode acessá-los por aqui:

  1. O que é a discriminação? | Um pequeno histórico nacional;
  2. A especificação legal dos atos discriminatórios;
  3. Situações discriminatórias nas relações de trabalho I;
  4. Situações discriminatórias nas relações de trabalho II;

Obrigado pela leitura e até breve!

Paulo Roberto Pinto.

 

Para quem se interessar, convido a curtirem a página no facebook @PauloPintoAdvocacia, onde poderão acompanhar os temas que são publicados aquialém de outras informações que compartilho para “inspirar as pessoas a acreditarem na justiça, a defenderem seus direitos e a buscarem equilíbrio nas relações interpessoais através da prática do direito”.

Você pode conhecer melhor o trabalho desenvolvido pelo meu escritório acessando o site www.paulopinto.adv.br.

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