Pois é, isso tem um significado extremamente importante quando se analisa as relações sócio-afetivas, principalmente aquelas entre pais e filhos, padrastos e enteados. Ao longo do tempo, especialmente pela prática no Direito de Família, percebi que a relação entre pais e filhos limita-se à biológica, não existindo ou deixando-se de lado a relação sócio-afetiva, que é aquela real, prática!
Com efeito, em muitos casos, não há o respeito à pessoa (só à relação nominal entre pai e filho – “respeita, pois sou seu pai”, etc.). Também não há cumplicidade, torcida, harmonia. Muito menos diálogo. Há exceções, claro, graças a Deus! Mas, com o tempo, percebi que essa relação era muito mais biológica do que afetiva. Há caso até que pais biológicos não querem reconhecer a filiação, partindo para o conhecido exame de DNA – investigação de paternidade. Nestes casos, quando reconhecida a paternidade, o efeito jurídico já é conhecido, porém, o efeito social, não! Inúmeras vezes, o reconhecimento biológico não cria, muito menos reconhece uma relação sócio-afetiva entre investigado e seu “novo” filho.
É triste, mas é uma realidade do dia a dia.
O que quero falar aqui é sobre o entendimento que nossos tribunais, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, vem dando à relação sócio-afetiva que se cria em determinados casos.
Nestes, se vê que o sentimento entre aquele que assumiu o “lugar do pai” e o enteado supera a relação biológica, ingressando no campo social, no qual se depara com o cuidado com a saúde, com a educação, com a criação como um todo.
Há o envolvimento e o respeito. A dedicação e a ajuda material e moral àquele que, desde o início de sua vida ou em algum momento, deixou de ter a proteção da figura do pai!
Estou usando aqui a figura paterna, que é muito mais comum, porém, há casos de mulheres que se enquadram nessa situação. Assim, podemos falar em temos “genéricos”.
O que penso é compartilhar meu entendimento a respeito desse tema. Esse entendimento se coaduna com a realidade dos fatos, o que levou o STJ a se pronunciar, em reiterados casos, acerca da prevalência da relação sócio-afetiva sobre a biológica! Veja-se os seguintes julgados:
“A consagração da paternidade real exercida se afere pelo fato deste usar o nome do seu pai socioafetivo há muito tempo, já que tem no seu registro a marca da sua identidade pessoal, além de ter sido beneficiado por meio de afeto, assistência, convivência prolongada, com a transmissão de valores e por ter ficado conhecido perante a sociedade como detentor do ‘estado de posse de filho’.
A posse de estado de filho consiste justamente no desfrute público e contínuo da condição de filho legítimo, como se percebe do feito em análise”. (STJ, Min. Marcos Buzzi, 11/2015)
“o registro de nascimento, fundado, como anteriormente afirmado, em livre manifestação de vontade, aliado à afetividade existente, não pode ser descartado frente a um exame de DNA negativo de paternidade biológica. […] Com efeito, a mera divergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica, por si só, não descaracteriza o estado de filiação” (STJ, Min. Villas Boas Cueva, 04/2016)
“O reconhecimento voluntário da filiação somente pode ser contestado acaso comprovado vício na manifestação de vontade. Caso contrário, o ato é irrevogável (CC/2002, art. 1.610), mormente em se tendo formado a paternidade sócio-afetiva, a qual, na espécie, deve prevalecer sobre o vínculo genético, em prol dos interesses do menor envolvido”. (TJ-SC, Des. Stanley Graça)
Como se pode notar, esse entendimento do STJ aponta que a relação sócio-afetiva é mais relevante para o direito e para a justiça do que a própria biológica. E isto, porque a realidade fática é aquela que mostra o atendimento das necessidades daquele que foi abandonado por seu (ou sua genitora), deixando espaço para que um terceiro (terceira) assumisse esse papel. Obviamente, esse papel deve ser exercido com a força de um relacionamento de cuidado, carinho e respeito, como se fosse uma verdadeira relação ideal entre pai e filho.
“Buscamos inspirar as pessoas a acreditarem na justiça, a defenderem seus direitos e a buscarem equilíbrio nas relações através da prática do direito.“