Um tema que muito aflige aqueles que compram imóvel, principalmente aqueles conhecidos como “na planta”, é a famosa (e muito odiada) hipoteca.

Não pretendo abordar aqui as diversas espécies de hipoteca (convencional, judicial e legal) e seus variáveis formatos e reflexos jurídicos. Afinal, isso exigiria um trabalho mais aprofundado, o que foge da ambição proposta, qual seja, a de fomentar as pessoas a praticarem seus direitos, bastando, num primeiro momento, conhecê-los. Saber que existem. Depois, com a assessoria técnica competente, colocar em prática sua defesa.

Além disso, busco avivar discussões sobre os temas, voltadas mais para as questões práticas do que acadêmicas, o que é o propósito principal deste canal.

Para maior imersão no tema, há inúmeros trabalhos de excelentes profissionais do direito, professores, acadêmicos que, certamente, auxiliarão nessa tarefa.

Assim, vou abordar apenas uma espécie de hipoteca, deixando as demais para outras postagens.

Vou tratar agora da hipoteca convencional derivada do pacto entabulado entre instituição financeira e o construtor ou incorporador, havida para promover empreendimento imobiliário, nos moldes das leis nºs 4.591/64 (Lei da Incorporação Imobiliária e 4.864/65 (Lei da Construção Civil), além de outras, como a Lei do Patrimônio de Afetação (nº 10.931/2004).

Primeiramente, um breve conceito de hipoteca: é a modalidade de direito real de garantia (artigos 1.473 a 1.505, do CC), que grava coisa imóvel ou bem que a lei entende por hipotecável, como navio, avião e outros. O bem hipotecado permanece na posse e na propriedade do devedor. O credor poderá promover a sua venda judicial, recebendo seu crédito, no caso de inadimplência.

Esse conceito se aplica à espécie retratada nas referidas normas. Pois bem, em regra, o incorporador do imóvel (terreno) no qual será construído o empreendimento imobiliário, pode dar em hipoteca a um banco, em troca de recursos para concluir esse empreendimento. Esse banco ficará conhecido como credor hipotecário. Até aqui, nenhuma irregularidade, porém, se o devedor (a construtora ou o incorporador, que tomou o empréstimo e gravou o imóvel) tornar-se inadimplente, aquele credor executará a hipoteca, o que atingirá o direito individual do promitente comprador, alcançando sua unidade autônoma.

Isto, por causa do princípio da indivisibilidade da hipoteca, que não pode ser ‘pulverizada” entre as unidades autônomas, atingindo o imóvel como um todo.

Muito já se debateu sobre isso, razão da edição de algumas leis ao longo do tempo.

Umas, visavam a concretização do empreendimento no caso de quebra da construtora, permitindo aos mutuários assumirem o lugar desta e concluir a obra.

A lei do patrimônio de afetação veio para individualizar o patrimônio do incorporador, separando-o por empreendimento, o que permitiu afastar eventual hipoteca sobre um imóvel, enquanto o dinheiro tomado era direcionado para outra obra. Por aquela lei, o patrimônio de um empreendimento fica vinculado a ele próprio, não podendo sofrer ônus ou gravames decorrentes de outro.

Pois bem, a evolução desse tema na sociedade passou até mesmo pelo Código de Defesa do Consumidor, justamente para preservar a parte mais frágil da operação, já que, se houvesse a inadimplência deliberada da construtora, o consumidor seria duramente atingido. Tal evolução culminou com o entendimento jurisprudencial que ensejou a Súmula nº 308, do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu a seguinte tese:

“O sistema adotado pela Lei 4.591/64, permitindo ao incorporador aventurar-se a ponto de lançar o empreendimento com apoio em um compromisso não quitado ou a ponto de dar em hipoteca o terreno e as acessões, é incompatível com a nova ordem de Direito…”.

A Sumula 308 do STJ, contempla esse entendimento, como se vê: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”

A meu ver, parece justo esse entendimento, ainda mais sob a ótica do consumidor, adquirente de uma unidade autônoma. Afinal, seu direito não pode ser preterido pela relação extraída da atividade bancária e da incorporação imobiliária. Quer dizer, o negócio entre incorporador e banco não pode prevalecer sobre o negócio celebrado entre fornecedor e consumidor, ou vendedora e comprador.

De tudo isso, extraí-se o ensinamento moderno de que o consumidor que honrou com o compromisso assumido (venda e compra), pagando o preço combinado, seja à vista ou a prazo, por intermédio de financiamento imobiliário direto ou outro meio, tem o direito de ver sua unidade livre e desimpedida do ônus da hipoteca que atingiu o empreendimento como um todo. Se houver a negativa da incorporadora em promover a baixa da hipoteca, ou, mais precisamente, do credor hipotecário, caberá ao comprador o exercício de seu direito, devendo mover a competente ação judicial para se ver livre, através da referida baixa, a ser conferida por um Juiz de Direito.

Pelo que se viu aqui, em sintetizada explanação, apesar do frequente uso do financiamento imobiliário com alienação fiduciária, há muitos contratos ainda cuja hipoteca do contrato entre banco e incorporador, infelizmente, “vem junto” com a unidade autônoma adquirida!

Mas, esse ônus não terá eficácia em relação ao comprador, mais precisamente quanto este buscar a lavratura da escritura ou pretender alienar sua unidade autônoma!

Não se esqueça: pratique seu direito!


NA PRÁTICA, A TEORIA É OUTRA!


Apesar de ser um direito do credor, que busca uma garantia de que irá receber seu dinheiro de volta, a hipoteca, à bem da verdade, é totalmente prejudicial ao mutuário, principalmente quando não partiu dele a aceitação desse ônus!!

A própria hipoteca mostrou-se obsoleta, já que as instituições financeiras dirigiram-se para o instituto da alienação fiduciária, que contempla a transferência da propriedade para o agente fiduciário, que se torna o “dono” do imóvel adquirido. Se houver o pagamento do financiamento, é dada a devida quitação, com o cancelamento daquela alienação, retornando o comprador à posição de proprietário. Isto, para as aquisições das unidades autônomas.

Se houver inadimplência, o devedor será intimado pelo Cartório de Registro de Imóveis para purgação da mora – pagamento do débito atualizado. Se este não for pago no prazo fixado, promove-se a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. Na sequência, o imóvel será vendido em leilão, devolvendo-se ao comprador a diferença entre o valor da arrematação e os débitos originais, mais as despesas de leilão.

Apesar da evolução legal e jurisprudencial, bem como a adoção de novas modalidades de garantia, como a alienação fiduciária, parece claro que o direito do credor, se exercido, atingirá, duramente, aquele que nada tem a ver com o fato. Em muitos casos, aliás, o comprador desconhece a existência da hipoteca feita pelo construtor/incorporador! Em outros casos, mesmo ciente de tal fato, por constar no contrato firmado, não se tem a exata compreensão da extensão do ônus, em razão da indivisibilidade da hipoteca!

Pois bem, essa situação fragiliza o promitente comprador e o coloca no campo da insegurança jurídica, já que, além de honrar com os pagamentos de sua compra, “torce e reza” para que o incorporador não fique inadimplente, muito menos quebre!

Quer dizer, enquanto durar o prazo de pagamento, noites sem sono virão…

Após muita luta nos fóruns da vida, fixou-se o entendimento estampado na Súmula 308, do STJ, entretanto, fica a indagação: não há um outro meio de proteção ao comprador?

Se já há esse entendimento, porque não se criar um mecanismo legal que, ao mesmo tempo garanta ao credor receber seu crédito, no caso de inadimplência da incorporadora, e preserve a aquisição feita pelo mutuário?

Não sem razão a orientação do STJ a respeito do tema, retratada na seguinte decisão do TJSP (APL 9077031-70.2005.8.26.0000): “Procedem os embargos de terceiros opostos pelos promissários compradores de unidade residencial de edifício financiado, contra a penhora efetivada no processo de execução hipotecária promovida pela instituição de crédito imobiliário o que financiou a construtora. O direito de crédito de quem financiou a construção das unidades destinadas à venda pode ser exercido amplamente contra a devedora, mas contra os terceiros adquirentes fica limitado a receber deles o pagamento das suas prestações, pois aos adquirentes da casa própria não assumem a responsabilidade de pagar duas dívidas, a própria, pelo valor real do imóvel e a da construtora do prédio. (REsp 187.940-SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar)

Não obstante esse entendimento, justo e coerente com o direito, na prática ainda se vê a existência de unidades autônomas gravadas com hipoteca do financiamento da obra, não só da aquisição feita pelo comprador.

Tal situação exigirá o oferecimento da competente ação judicial para se promover a baixa da hipoteca, a fim de se liberar o imóvel para o exercício regular do direito de dispor do bem, um dos elementos inerentes à propriedade livre e plena.

A propósito, tal pleito pode submeter-se ao juízo liminar, em sede de antecipação parcial ou total da tutela, como autorizam os elementos pertinentes.

Um deles, já trazido há muito tempo pelo saudoso mestre Pontes de Miranda, assim ensinou:“Desde que alguém é prejudicado, em se tratando de direito absoluto ou relativo, por ato positivo ou negativo de outrem, que possa continuar ou repetir-se, ou haja receio de que tal ato positivo ou negativo se dê, causando prejuízo, nasce a Ação Cominatória, que é ação irradiada da pretensão à abstenção ou a prática de ato alheio.”

Alie-se ao contido no artigo 461 do Código de Processo Civil, em consonância com a Súmula 308, do STJ.

“Art. 461 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

  • 3º. Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada.”

Percebe-se que, na prática, tudo poderia ser bem diferente, se houvesse a busca pela segurança jurídica, desde o nascedouro da compra feita pelo mutuário. Este, ainda um tanto desprotegido, terá duas preocupações: a de pagar sua compra e a de torcer para que o incorporador não deixe de pagar a obrigação dele.

E há casos também que, mesmo após a liquidação do débito, a hipoteca permanece averbada na matrícula do imóvel e somente será “baixada” com uma nova averbação, pertinente à “liberação”, que, firmada pelo credor hipotecário, deverá ser levada ao competente CRI.

Mas, como já se disse aqui, por mais que se leia o contrato de aquisição por várias vezes, por mais que se tenha o entendimento jurisprudencial pertinente, e por mais que não se concorde com as cláusulas da compra e do financiamento, não há o que o promitente comprador desse tipo de imóvel possa fazer, pelo menos por enquanto, a não ser aderir a tudo isso e, posteriormente, buscar seu advogado para a devida regularização!

“Buscamos inspirar as pessoas a acreditarem na justiça, a defenderem seus direitos e a buscarem equilíbrio nas relações através da prática do direito.

Paulo Roberto Pinto

Advogado

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